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Neuropsicanálise: uma reconciliação
possível?
Amauri B. Bartoszeck, Fellow in Basic Medical Education
(ECFMG-Philadelphia), Consultor Acadêmico e de Pesquisa
Científica do Instituto de Neurociência do Paraná
(INEPR), abbartoszeck@gmail.com.
INTRODUÇÃO.
A Neurociência constitui-se em uma via
interdisciplinar que possibilita entender a estrutura e
funcionalidade do cérebro humano. A Psicanálise e a
Neurociência ensejam pela interação, uma das mais
novas pontes entre as ciências humanas e as ciências
naturais. Tem como elo o conhecimento do desenvolvimento filogenético
e ontogenético, na perspectiva da Psicologia Evolucionista
(Ref. ...?). É uma abordagem que visa re-examinar o
comportamento humano á luz da seleção natural.
Está baseada no fato que um dos antecessores do homem atual,
a espécie Homo habilis, que apareceu a 2.5 milhões de
anos atrás, ter evoluído durante muitos anos em um
meio-ambiente muito diferente do atual. Todavia, nossos predecessores
enfrentavam várias vicissitudes para se adaptarem a savana.
Entre as limitações para garantir a sobrevivência,
destacam-se a necessidade de manter-se aquecido, encontrar alimento e
evitar doenças, acidentes e predadores. Além disso, era
preciso superar as limitações sociais, qual seja a
manutenção de reciprocidade nas ações,
identificar e evitar os farsantes, assegurar boa posição
na hierarquia do grupo, e acima de tudo encontrar parceira para
reprodução e, ao mesmo tempo, garantir uma ligação
forte para criar a prole (Ref.....?).
A evolução além de selecionar as
características físicas do indivíduo melhor
adaptadas ao meio ambiente pretérito, também selecionou
mecanismos psíquicos mais vantajosos para lidar com situações
sociais da época. Assim, vê-se que nosso cérebro
não foi selecionado para viver num ambiente urbano, altamente
tecnológico como o atual. Para as funções
básicas do cérebro, que organiza a homeostasia do
corpo, isto não importa, mas para outras, como a ativação
crônica do sistema de alarme, pode ser desastroso para o
organismo, como manifestações inesperadas de ansiedade.
A dinâmica da teoria psicológica da
consciência alicerça a eficácia da técnica
psicanalítica, demonstrada empiricamente pela pesquisa
corrente da Neurociência.
Postula-se que os fenômenos humanos são
biológicos em suas raízes, sociais em seus fins e
mentais em seus meios. Contudo, outras correntes científicas,
notadamente a reflexologia e o comportamentalismo, propõe que
os fenômenos humanos, só podem ser avaliados pelo
mecanismo de “estímulo-resposta”, descartando de
certa forma o cérebro, por ser a “caixa preta”
passível de decifração. Em oposição
a essa abordagem, há uma ala de pesquisadores que valorizam os
mecanismos cerebrais, geradores do comportamento humano.
O uso de modelos para representar conhecimento tem uma
base científica. As analogias são úteis na
tentativa de interpretar o funcionamento do cérebro. Assim,
este órgão biológico historicamente tem passado
pelos modelos hidraúlico, entérico, ...computacional
(Clément, 200...?).
O estudo das funções cerebrais requer uma
metodologia multidimensional que enfoque aspectos neurobiológicos
e comportamentais em relação ao meio ambiente.
Atualmente, o cérebro tem sido visto nas
seguintes perspectivas:
circuito eletro & eletrônico regido por
servomecanismos e sistemas de retroalimentação
(feedback);
sítio da memória, dos pensamentos, da
inteligência, da emoção;
sistema físico-químico regido pela
casualidade.
Evolução da mente.
A mente é considerada uma “entidade”
que foi construída com lentidão temporal, que em função
de um substrato biológico extremamente complexo, gera o
processo mental. A internalização da experiência
advinda da interação com o meio ambiente, torna-se
básico para a construção da mente. Funções
superiores do cérebro, tais como memória, sono &
sonho, linguagem, pensamento, emergem da configuração
de grupos neuronais interagindo com estímulos internos &
externos oriundos do meio. Desta feita, o sistema nervoso mais
complexo, é como se fosse uma interface, que permite o
indivíduo organizar a informação captada pelos
canais sensoriais, em significado. O complexo cérebro-mente
lida com a informação inicialmente no plano dos
receptores sensoriais. Assim, se tivéssemos uma banana, suas
qualidades físicas são analisadas e decodificadas de
acordo com a experiência, aprendizagem e memória
anteriores, como forma, cor, se madura, lembrança do sabor, e
depois as informações são processadas na esfera
intra-cerebral e se atribui significado no nível semântico.
Assim, a banana pode ser vista como meramente uma fruta saborosa, ou
se fazer cogitações sobre suas qualidades
nutricionais, aos turbantes de Carmen Miranda ou alusão
pejorativa à “Banana Republics”. A mente tenta
decodificar o mundo e dar-lhe orem e significado. A imprecisão
e a contradição são inerentes ao raciocínio
humano. Na dúvida, procura-se pelo pensamento difuso, nebuloso
lidar com a imprecisão e a ordem & desordem das coisas e
eventos. Esta forma de pensamento busca alternativas por meios de
raciocínio desconstrutivo, conduzindo a criatividade (Ref.
Godel, Ascher.....).
A organização do complexo “mente-cérebro”
pode ser estudado em 4 níveis, que mostram certa ordem
hierárquica “bottom-up”:
[3] nível funcional: organização e
atividade dos circuitos neuronais;
[4] nível conceitual: representado pelas “redes
semânticas”, sistemas coneccionistas;
[1] nível neurobiologia do desenvolvimento:
organização dos circuitos neuronais e sinapses
orquestrado geneticamente, embora posteriormente influenciado por
fatores de natureza sociocultural;
[2] nível neuronal: características
biofísicas da membrana excitável, como a dinâmica
dos canais iônicos, ativação dos receptores aos
neurotransmissores na superfície da membrana.
Historicamente sabe-se que existe especialização
de um dos hemisférios cerebrais para a função da
linguagem (Ref.?). Fatores culturais de um determinado ambiente, por
exemplo o uso de símbolos para a representação
da linguagem escrita, podem direcionar a organização
cerebral. Nos japoneses ( e possivelmente nos chineses) a organização
dos circuitos neuronais para a linguagem, difere da dos ocidentais (
Ref.: Raul Marino, o Cérebro japonês, 19...). Desta
forma, os caracteres ideográficos “kanji” são
processados no “cérebro direito” ao passo que os
símbolos de linguagem não ideográficos “
kana” são processados no “cérebro
esquerdo”. Contudo, em estudos feitos com indivíduos,
que por razões neurológicas, tiveram a secção
do corpo caloso separando os dois hemisférios, revelou-se que
tanto o kanji como o kana, são processados principalmente no
“cérebro esquerdo” e a função do
“cérebro direito” destes pacientes japoneses para
a leitura e escrita do “kanji” é de fato mínima
(Iwata, 1986).
Evolução do comportamento.
Os seres vivos (animais e plantas) organizam sua
existência dentro do binômio captação de
nutrientes e combate aos predadores. Qual seja a inserção
no mundo natural está calcada na evolução
filogenética, pari-passu com a ontogênese. As espécies
animais particularmente desenvolveram estratégias voltadas ao
ataque, a defesa de sua integridade ou da prole, e ou fuga do
predador (Ref. ?). O medo de certas situações foi
trazido á tona por estratégias preservadoras da vida. O
cérebro tem mecanismos entrínsicos que lhe faculta
auto-aprendizagem, nem sempre dependendo de mecanismos conscientes.
São comportamentos adaptativos desenvolvidos pela evolução,
no esquema “comportamento-adaptação-sobrevivência”
(Ref. ?).
Há uma semelhança entre os indivíduos
unicelulares, como o protozoário da espécie Paramecium
sp., cuja membrana celular possui canais iônicos que permitem a
troca de íons e outras substâncias químicas com
seu micro-ambiente e o neurônio único isolado. No
entanto, nos seres pluricelulares, particularmente os primatas, as
funções “superiores” como inteligência
e linguagem são atividades “emergentes” do arranjo
funcional de circuitos neuronais, que formam um mosaico instável
tal qual a figura formada pelo caleidoscópio, que se modifica
a cada agitação da mão.
Referência.
Iwata, M. (1986). Neural mechanism of
reading and writing in the Japanese language. Functional Neurology,
1:43…..
Morin, E. (1975). O enigma do homem. Rio de Janeiro, RJ:
Ed. Zahar.
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